A Análise Comportamental Aplicada é uma intervenção baseada em evidências, reconhecida internacionalmente pela sua eficácia no apoio a pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). No entanto, a sua complexidade e a proliferação de informações, por vezes, levam à criação de mitos que distorcem o seu propósito e aplicação. O meu objetivo é esclarecer estas questões, focando-me na forma como o ABA, em sinergia com a Terapia da Fala, promove competências essenciais para uma vida mais autónoma e comunicativa.
- Mito: A metodologia ABA é sinónimo de “treino de obediência” ou “domesticação”.
Esta é, talvez, a conceção mais equivocada. A ABA não visa moldar a pessoa para que se encaixe num padrão neurotípico, nem forçá-la a uma obediência cega. Pelo contrário, o cerne da metodologia ABA é o desenvolvimento de competências socialmente relevantes que aumentem a autonomia e a qualidade de vida do indivíduo. Na Terapia da Fala, a colaboração com a ABA é crucial para construir as bases da comunicação funcional, desde a capacidade de pedir o que se quer, de recusar o que não se deseja, até à iniciação e manutenção de interações sociais. Não se trata de obediência, mas sim de capacitar a pessoa para se expressar e interagir de forma mais eficaz com o mundo à sua volta. Estudos têm demonstrado que a intervenção ABA intensiva e individualizada melhora significativamente as habilidades de comunicação expressiva e recetiva em crianças com autismo, como evidenciado por revisões sistemáticas publicadas em periódicos como o Journal of Autism and Developmental Disorders. - Mito: A metodologia ABA é uma abordagem rígida e desconsidera a individualidade.
Apesar de se basear em princípios científicos rigorosos do comportamento, a aplicação da ABA é profundamente individualizada. Cada programa é meticulosamente adaptado às necessidades, interesses, pontos fortes e desafios únicos de cada pessoa. No meu trabalho como Terapeuta da Fala, asseguro que os objetivos de comunicação são definidos baseados nos princípios da metodologia ABA, tendo sempre em mente as preferências e motivações do indivíduo. Os planos de intervenção são dinâmicos, ajustados continuamente com base na avaliação do progresso e nas respostas da pessoa, garantindo que as estratégias são relevantes, motivadoras e respeitadoras da sua singularidade. - Mito: A metodologia ABA suprime comportamentos estereotipados (“stimming”).
Os comportamentos estereotipados, como movimentos repetitivos ou sons específicos, são frequentemente uma parte da experiência de muitas pessoas com autismo e podem ter funções importantes, como a autorregulação. A metodologia ABA não tem como objetivo suprimir estes comportamentos por si só. A intervenção foca-se em comportamentos que são prejudiciais (a si ou a outros), que interferem significativamente com a aprendizagem ou que impedem a participação em atividades sociais. No contexto da comunicação, se um “stimming” impede a interação ou a aprendizagem de novas competências, trabalhamos em conjunto para ensinar formas alternativas e mais funcionais de comunicação ou autorregulação, como o uso de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa (CAA) ou estratégias de regulação emocional. A meta é sempre substituir, não apenas eliminar, se o comportamento for problemático. - Mito: A metodologia ABA é desprovida de emoção e de uma interação “robótica”.
Uma aplicação eficaz exige uma interação humana calorosa, empática e responsiva. Os terapeutas ABA, tal como os Terapeutas da Fala, são treinados para construir uma relação de confiança (rapport) e estabelecer uma ligação positiva com a pessoa. O ambiente terapêutico deve ser divertido, envolvente e focado na construção de confiança, onde a comunicação é incentivada através de jogos e atividades significativas. A ideia de que o ABA torna a pessoa “robótica” ignora o papel crucial da relação terapêutica e da motivação intrínseca no processo de aprendizagem, que são pilares para o desenvolvimento da comunicação e das competências sociais. - Mito: A Metodologia ABA só é eficaz para crianças pequenas.
Embora a intervenção precoce seja altamente recomendada devido à plasticidade cerebral, esta abordagem é eficaz em todas as faixas etárias. Os princípios da metodologia ABA podem ser aplicados para apoiar adolescentes e adultos com autismo no desenvolvimento de competências de vida independente, sociais, vocacionais e de lazer. Na Terapia da Fala, vemos como estes princípios são adaptados para melhorar a comunicação social complexa, a pragmática da linguagem e as competências necessárias para a integração em contextos de trabalho e comunitários, melhorando significativamente a sua qualidade de vida e participação ativa na sociedade. - Mito: A Metodologia ABA é uma “cura” para a PEA.
A Perturbação do Espetro do Autismo autismo é uma condição neurológica complexa e esta abordagem não é uma “cura”. O objetivo da metedologia ABA, em conjunto com outras terapias como a Terapia da Fala, é ajudar as pessoas com PEA a desenvolver competências, a gerir desafios e a alcançar o seu potencial máximo, permitindo-lhes viver vidas plenas e significativas. A intervenção visa otimizar o desenvolvimento e a funcionalidade, aceitando e celebrando a neurodiversidade, em vez de tentar “reverter” o autismo.
É imperativo que qualquer programa de intervenção, incluindo a Metodologia ABA, seja implementado por profissionais qualificados e certificados, que sigam as diretrizes éticas e utilizem práticas baseadas em evidências. A colaboração entre diferentes técnicos, como entre Terapeutas da Fala e Terapeutas ABA, é fundamental para criar um plano de intervenção abrangente e holístico que respeite a dignidade e a individualidade de cada pessoa com PEA, promovendo uma comunicação funcional e uma participação significativa na sociedade.

Adriana Magalhães Terapeuta da Fala
Cédula C-069093172 emitida pela ACSS

